
O Nascimento da Virgem Maria, obra da Escola de Tryavna (século XIX), Galeria Nacional de Arte Popular, Sofia. Cena com cinco figuras femininas.
Na Galeria Nacional de Arte Popular de Sofia encontra-se um exemplar notável da arte eclesiástica búlgara do século XIX: a imagem do Nascimento da Virgem Maria e da Nomeação, obra da famosa Escola de Tryavna. Esta obra sagrada captura a tradição esotérica em torno do nascimento da Mãe de Deus, incorporando a tradição teológica bizantina no estilo artístico único da região.
A iconografia bizantina atua como uma linguagem espiritual profunda que transcende os limites artísticos convencionais. Na imagem do Nascimento, é retratada a importância universal do evento que prepara a Encarnação, enquanto a natureza mediadora da Virgem se torna visível através da tipologia e simbolismo. As imagens da escola búlgara preservam a essência do ensino teológico enquanto expressam a idiossincrasia cultural local.
A Dimensão Teológica do Nascimento da Mãe de Deus
A cena se desenrola em torno da parteira Santa Ana, onde cinco figuras femininas estão presentes no nascimento da Virgem Maria. No centro da composição, a mãe Ana segura o recém-nascido – a futura Mãe de Deus – com um gesto que antecipa a grande missão que a aguarda. As mulheres presentes, com expressões de devoção e admiração, são testemunhas de um evento que o protoevangelho de Tiago descreve como a preparação do mistério da salvação.
Atrás da cena, um ambiente arquitetônico é visível com elementos padronizados – janelas e torres – que remetem à tradição iconográfica bizantina. O evento se desenrola em um espaço sagrado que não é apenas doméstico, mas simboliza a dimensão cósmica do milagre. O Nascimento da Mãe de Deus é o prelúdio da Encarnação, pois através da Virgem se realizará a conexão entre o humano e o divino.
A iconografia segue as regras da tipologia bizantina, mas também incorpora características locais. Os rostos das figuras possuem a simplicidade e a imediata conexão que caracterizam as imagens da região de Tryavna, com expressividade que se aproxima da devoção popular. A paleta de cores utiliza tons quentes – vermelhos, rosas e marrons – que criam uma atmosfera de intimidade e proximidade.
As mensagens teológicas contidas na imagem são multifacetadas: de um lado, celebram a alegria do nascimento daquela que se tornará “terra do inefável”, e do outro, preanunciam o mistério salvífico da Encarnação. As figuras femininas que cercam o recém-nascido não são apenas assistentes da parteira, mas simbolizam todo o mundo que aguarda a salvação. Em suas expressões, reflete-se a expectativa pelo mistério que se seguirá.
A composição se desenvolve em dois níveis: o terreno, onde ocorre o nascimento, e o celestial, que é sugerido pela sacralidade do evento. Esta dupla dimensão ressoa na teologia bizantina sobre a participação do mundo material na economia divina, onde até mesmo os eventos mais cotidianos – como o nascimento de uma criança – podem trazer salvação ao mundo.
A presença sagrada permeia cada detalhe da composição, desde os gestos das figuras até a arquitetura do fundo. Os pintores de Tryavna conseguiram transmitir a intensidade espiritual do evento sem perder sua dimensão humana. O resultado é uma imagem que funciona simultaneamente como ferramenta de oração, meio de ensino e expressão artística de toda uma tradição cultural.
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Detalhe de Santa Ana com manto vermelho da imagem do Nascimento. Exemplo característico da tradição iconográfica bizantina na Escola de Tryavna.
O Idioma Iconográfico da Escola de Tryavna
A Escola de Tryavna emergiu no século XIX como um dos principais centros de arte eclesiástica nos Bálcãs, combinando técnicas bizantinas tradicionais com abordagens locais inovadoras que caracterizavam o período da renascença búlgara. Os artistas que atuaram na região desenvolveram um modo de expressão único que preservou a devoção teológica da tradição ortodoxa, ao mesmo tempo em que incorporava elementos que refletiam a nova consciência cultural.
Na imagem do Nascimento, destacam-se características dessa escola. Os rostos possuem a simplicidade e a imediata conexão que caracterizavam a arte popular búlgara, com grandes olhos expressivos e sorrisos suaves que conferem à cena um caráter de intimidade. A paleta de cores utiliza tons tradicionais – vermelhos profundos, marrons quentes, rosas suaves – que criam um conjunto harmônico baseado na estética funcional da pintura eclesiástica.
A composição é organizada de maneira a refletir a influência conectiva de diferentes tradições. O tema central do nascimento é colocado em um contexto arquitetônico que combina elementos bizantinos e locais, enquanto a forma de representação das figuras revela a busca por uma proximidade emocional com os fiéis. As figuras femininas não possuem a rigidez da arte bizantina de corte, mas a calorosidade da devoção popular.
A Sagrada Morfologia da Mãe de Deus
No detalhe que retrata a Virgem com o manto vermelho, encontramos a dimensão composicional da obra. A tipologia iconográfica segue as regras da tradição bizantina – o manto com as três estrelas da eterna virgindade, a postura da cabeça que expressa humildade e contemplação do divino. No entanto, a execução traz a naturalidade que caracterizava os pintores do século XIX, que buscavam a comunicação com os fiéis através de formas acessíveis.
Os estímulos cromáticos funcionam simbolicamente: o vermelho do manto simboliza o amor divino e a pureza, enquanto o brilho dourado no tecido remete à luz divina que envolve a Mãe de Deus. A iconografia mantém a hierarquia dos padrões bizantinos, mas se adapta à estética prevalente na arte eclesiástica búlgara da época.
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Santo de barba do tipo hierárquico na cena do Nascimento da Virgem. Competência técnica e significado simbólico na arte eclesiástica búlgara.
O Tipo Hierárquico
A figura do santo de barba com o manto vermelho representa o tipo hierárquico que frequentemente aparece nas cenas do Nascimento da Mãe de Deus, geralmente como o sacerdote que realizará a nomeação. As características do rosto – os olhos profundos, a expressão de sabedoria e devoção – seguem a tipologia dos hierarcas na iconografia bizantina.
A representação detalhada do rosto revela a competência técnica dos criadores, apesar da simplicidade dos meios. Cada linha serve tanto à precisão anatômica quanto ao significado simbólico, criando uma forma que atua como mediadora entre o mundo terreno e o celestial.
A tradicional pintura eclesiástica búlgara do século XIX é caracterizada por esse equilíbrio entre fidelidade à tradição e adaptação às novas buscas estéticas. O resultado são obras que mantêm seu valor funcional como ferramentas de oração e ensino, enquanto também são testemunhos de um rico momento cultural.

A Importância Atemporal da Imagem: Entre Tradição e Renovação
Patrimônio Cultural e Continuidade Teológica
A imagem do Nascimento da Virgem Maria da Escola de Tryavna é mais do que uma simples obra de arte. Ela funciona como uma ponte entre diferentes épocas, unindo a tradição teológica bizantina com as novas buscas culturais do século XIX. Na maneira como as escolas eclesiásticas búlgaras abordaram o tema sagrado, percebemos um equilíbrio distinto: a fidelidade às verdades teológicas combinada com o desejo de renovação cultural (Stoyadinova).
Os criadores da imagem conseguiram preservar a essencial doutrina teológica que envolve o Nascimento da Mãe de Deus, ao mesmo tempo em que incorporaram elementos que ecoavam a devoção popular e a idiossincrasia cultural de sua região. O resultado não é uma simples cópia de padrões bizantinos, mas uma recriação viva que fala à alma do crente contemporâneo, mantendo a conexão com a tradição eterna.
A linguagem iconográfica utilizada serve a múltiplos propósitos: educativo, funcional e espiritual. Cada forma, cada cor, cada detalhe carrega um peso simbólico que transcende a visão superficial. As figuras femininas que cercam a parteira Santa Ana não são apenas elementos da cena, mas símbolos da alegria universal que acompanha o nascimento daquela que se tornará “terra do inefável”.
No contexto da tradição eclesiástica búlgara, a imagem funciona como um testemunho de um momento histórico específico onde a consciência nacional encontra a identidade religiosa (Sabev). Os artistas de Tryavna não criaram apenas uma obra decorativa, mas uma ferramenta de comunicação espiritual que transmitiu conceitos teológicos através de formas acessíveis e compreensíveis. A simplicidade da expressão não limita a profundidade da mensagem, mas a torna acessível a um público mais amplo.
A Dimensão Simbólica e a Relevância Contemporânea
Ao examinar a imagem sob a luz do pensamento teológico contemporâneo, percebemos que suas mensagens mantêm sua ressonância inalterada. O Nascimento da Mãe de Deus simboliza não apenas um evento histórico, mas a eterna capacidade do divino de se manifestar na história humana de maneiras que transcendem a lógica e a expectativa. O tema da teologia da Mãe de Deus permanece central na espiritualidade ortodoxa, pois captura o mistério da graça divina que transforma a natureza humana (Linaradatu).
A obra da Escola de Tryavna nos ensina que a tradição autêntica não é estática, mas dinâmica, capaz de se expressar através de novas formas enquanto mantém sua verdade essencial. As escolas eclesiásticas búlgaras do século XIX conseguiram criar uma composição viva que fala às almas dos fiéis independentemente da época (Garmidolova). Essa atemporalidade pode ser o argumento mais forte em favor do valor artístico e espiritual da obra.
No contexto da tradição bizantina internacional, a imagem se insere em uma família mais ampla de obras que exploram a temática do Nascimento da Virgem, mantendo ao mesmo tempo as características particulares da tradição local (González). O resultado é uma expressão artística única que dialoga com a Igreja universal, enquanto reflete a identidade cultural e espiritual específica que a gerou.
A importância atemporal da imagem reside exatamente nessa capacidade de falar a diferentes épocas e culturas. O sagrado mistério do Nascimento da Mãe de Deus, como retratado pela arte de Tryavna, continua a ser uma fonte de inspiração e reflexão, construindo uma ponte entre passado e presente. Nas formas simples, mas expressivas, dos pintores búlgaros, reconhecemos uma verdade eterna: que a luz divina pode brilhar através de qualquer expressão artística que nasce de verdadeira fé e amor.
Trata-se de um legado que não pertence apenas à identidade cultural búlgara, mas ao tesouro global da criatividade humana quando esta busca expressar o sagrado.
Bibliografia
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Garmidolova, M.M. (2021). O Sistema de Educação Artística na Bulgária. Facta Universitatis, Série: Ensino, Aprendizagem e Formação de Professores.
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Linaradatu, E. A TEOLÓGIA SOBRE A MÃE DE DEUS NO LIVRO LITÚRGICO DO TRIODION. Universidade Aberta da Grécia.
Sabev, P. (2020). Pintores da Escola de Boka-Kotor e Seus Ícones (Séculos XVIII–XIX). Revista da Universidade de Veliko Tarnovo.
Stoyadinova, K.Z. (2023). Quatro Ícones da Igreja “São Dimitar”, Dlagnya, na Exposição da Casa Ikonomov, Dryanovo. Série INIS, Série Online da Rede Científica Interdisciplinar.

